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Kokula Krishna Hari K & his family wishes you and your family a Happy New Decennium 2020.
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Quando no passado dia 28 de Junho o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, anunciou que o seu governo, não aceitando as exigências da Troika de credores, as submeteria a referendo nacional, as reações da nomenklatura europeia não se fizeram esperar. Numa metáfora sinistra, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, declara que os Gregos “não devem suicidar-se porque receiam a morte”[1] e, conjuntamente com François Hollande, presidente da França, e Matteo Renzi, primeiro ministro de Itália, avisa que um voto “não” no referendo pode significar a saída da Grécia da zona Euro[2]. O BCE, por seu lado, um banco central que se tem colocado sistematicamente na situação historicamente inédita de ditar aos seus soberanos a política orçamental que estes devem prosseguir (alguém imagina a Reserva Federal Americana a fazer o mesmo?), decide auto impor-se limitações ao seu papel de prestamista de último recurso da banca comercial e anuncia que não aumentará os limites que arbitrariamente tinha fixado para a assistência financeira de emergência, privando, na prática, o sistema financeiro grego da liquidez essencial ao seu funcionamento.
A situação é, pois, dramática mas esclarecedora: sendo ditada pelo ministro alemão das finanças, a política económica na Europa não está sujeita ao escrutínio popular; apesar de ser hoje mais claro do que sempre foi que a tese da austeridade expansionista é uma fraude científica, independentemente dos seus desastrosos resultados, a austeridade é para manter; ainda que o FMI reconheça desde 2010 a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de defender a sustentabilidade da dívida pública de Portugal, Irlanda ou Grécia[3], o serviço da dívida é para cumprir porque o que está em causa não é a cobrança de dívidas mas a mudança de regime económico e social na Europa. Neste processo de brutal reengenharia social, a ortodoxia neoliberal, usando a dívida como garrote, impõe uma ‘nova normalidade’ que consiste na permanente desregulação mercantil, na socialização dos prejuízos do sistema financeiro, na repressão dos salários e no desmantelamento das convenções colectivas de trabalho, nas privatizações sem fim e no recuo do papel do Estado limitando-o às tarefas de produção e aplicação de leis conformes a esta ideologia brutal, ao assistencialismo terceiro-mundista e à repressão dos recalcitrantes.
Nesta situação explosiva, o governo de Portugal escolheu o lado dos credores do norte e do centro da Europa e, embora o negue publicamente, o seu papel no desenrolar da crise grega tem sido o de, sistematicamente, dificultar as negociações, como confirmam, por exemplo, declarações do ministro das finanças francês, Michel Sapin[4]. Sendo embora uma escolha contra o interesse do país, percebe-se que seja a única que permite à coligação de direita que governa manter alguma expectativa de conservar o poder. Mas, sejamos justos, neste particular, à exceção do grego, os governos da zona euro têm os seus interesses bem alinhados. Em maior ou menor escala, desde 2010, todos eles se vergaram às imposições austeritárias e por isso nenhum se pode dar ao luxo de ser confrontado com uma alternativa que funcione: contra o acumular da evidência histórica, o que importa é insistir na tese da irresponsabilidade orçamental dos países do sul.
A origem da crise do Euro, no entanto, é hoje, como sempre foi e se vai tornando gradualmente mais claro, objecto de interpretações muitíssimo distintas daquela produzida pelas instituições da Troika de credores e pelos governos europeus com ela ideologicamente alinhados e, apesar de incessantemente difundida por meios de comunicação social onde predominam orientações económicas neoliberais, a narrativa da irresponsabilidade orçamental da periferia sul enfrenta uma contestação crescente; em seu lugar, parece ter emergido um relativo consenso em torno da ideia de que a zona Euro enfrenta um problema de balanças de pagamentos resultante de persistentes superávites nas balanças correntes nos países centrais da integração monetária e défices simétricos nos países periféricos. Trata-se no entanto de um consenso aparente que esconde uma ambiguidade importante e que importa analisar como se fará seguidamente ainda que de forma esquemática.
Os desequilíbrios nas balanças correntes constituem, por definição, a evidência de uma diferença entre produção e procura, o que se presta a distintas explicações de causalidade. Ou seja, dado que os superávites de uns são os défices de outros, qual das variáveis é causa e qual é efeito? Onde se inicia o desequilíbrio? Naqueles países cuja despesa é inferior ao rendimento e que, assim, acumulam superávites e os reciclam oferecendo crédito ao exterior ou, ao contrário, naqueles outros cuja despesa é maior do que a poupança e, assim, acumulam défices e os financiam através de crédito externo?
Para alguns, a resposta tem sido que os superávites alemães são a expressão de um comportamento parcimonioso e virtuoso que deve ser emulado pela periferia. Nesta perspectiva, se os superávites alemães mais não são do que a manifestação da crescente competitividade-preço da indústria alemã nos mercados mundiais, os défices externos da periferia explicar-se-iam em grande medida pela baixa das taxas de juro associada à participação na zona Euro, o que teria estado na origem do elevado endividamento, do excesso de procura interna e, consequentemente, de inflações elevadas que teriam desequilibrado os preços relativos e fragilizado a sua capacidade competitiva.
Para outros, os défices externos da periferia constituem o resultado contabilisticamente inevitável do afluxo de capital com origem no centro e norte da Europa em resultado do optimismo que se instalou na zona Euro durante a primeira fase da sua construção política e económica; afluxos de capital (a outra face dos défices das balanças correntes) que geram apreciação nominal, se um país tem taxa de câmbio flutuante, ou que fazem subir salários e preços, se o regime de câmbios for fixo como acontece no caso do Euro. O resultado líquido, independentemente do regime cambial, é a deterioração da competitividade preço, ou custo, medida pelos custos unitários do trabalho e a apreciação da taxa de câmbio real.
Uma terceira linha de argumentação, concordando que existe um problema de desequilíbrio de balanças correntes na zona Euro, contesta a possibilidade de replicação universal de um modelo económico assente nas exportações e denuncia a falácia da composição implícita nas políticas que impõem a adopção simultânea de medidas de austeridade em toda a Zona euro. Nesta análise, o aumento líquido das exportações alemãs resulta primeiramente de altos níveis de poupança interna que, longe de serem virtuosos, são a consequência de uma procura cronicamente insuficiente e da incapacidade do capital alemão para encontrar dentro das suas fronteiras nacionais oportunidades de investimento consideradas suficientemente lucrativas. Afirma-se, assim, que os alegados ganhos de competitividade da Alemanha não foram conseguidos por acréscimos de eficiência da sua economia mas antes através da extrema contenção salarial que tem caracterizado a política de rendimentos daquele país e que, se os países da periferia não tivessem acumulado défices, o crescimento económico na Alemanha teria sido praticamente inexistente.
Na minha perspectiva, políticas de estabilização e coordenação salarial de escala europeia, uma política orçamental comum com finalidades redistributivas e capacidade de reciclar excedentes e uma política industrial capaz de qualificar as estruturas produtivas da periferia e de contribuir para o reequilíbrio dos fluxos comerciais na zona euro seriam as políticas mínimas necessárias para fazer face ao problema dos desequilíbrios nas balanças correntes; opções que dependem de uma profunda e cada vez mais improvável mudança na orientação política da Europa; opções talvez impossíveis de materializar, num contexto histórico em que a precedência da união económica relativamente à união política criou condições para uma enviesada disputa nacional acerca da melhor forma de gerir supranacionalmente recursos gerados nacionalmente, como vaticinou, em 1971, o economista keynesiano Nicholas Kaldor[5].
Contudo, como se vê com o agudizar da crise grega, a União Europeia insiste numa estratégia de ajustamento assente na imposição à periferia de políticas orçamentais ditas virtuosas mas, de facto, altamente recessivas, e de políticas de desvalorização interna, o que é o mesmo que dizer cortes salariais, que, para além de todo o restante lastro de destruição, originaram uma estagnação deflacionária dos preços em toda a zona.
Neste cenário, com inflação a descer e a zona Euro como um todo a acumular superávites na sua balança corrente, o Euro deveria estar a valorizar-se, mas, desde Maio de 2014, assiste-se a uma evolução cambial em sentido oposto.
O FMI tem estimado[6] repetidamente que a taxa de câmbio efetiva real da Alemanha se encontra subvalorizada num intervalo entre 5 e 15%. Desde Julho de 2014, momento que em que os relatórios acima referidos foram produzidos, o Euro desvalorizou mais cerca de 20%. Se a Alemanha ainda usasse o marco alemão, a sua valorização teria sido inevitável, à semelhança do que aconteceu na segunda metade da década de 80, quando os mercados cambiais acabaram por ditar uma valorização contra o dólar que resultou na necessidade de reajustamento em alta no Sistema Monetário Europeu e desvalorizou os ativos detidos por alemães no estrangeiro em consequência de superávites. Estes, contudo, no período pré Euro, nunca ultrapassaram os 4% do PIB[7].
Inevitavelmente, os EUA, país com défices comerciais gigantescos e crónicos, protestam e a sua posição dificilmente podia contrastar mais com a resignação obediente da periferia, também deficitária, do sul da Europa, com Portugal à cabeça.
Em Abril de 2014, o Tesouro Americano, num dos seus relatórios semianuais sobre comércio internacional e manipulação cambial[8], destaca a Alemanha atribuindo-lhe especial responsabilidade pelo fraco desempenho da procura interna na Zona Euro ao mesmo tempo que afirma que o ajustamento tem estado a ser realizado sobretudo pelos países deficitários através do aumento da sua poupança interna, o que tem sido um obstáculo ao crescimento da economia global. No mesmo relatório, o Tesouro congratula-se pelo facto dos superávites alemães terem sido identificados no Procedimento relativo aos Desequilíbrios Macroeconómicos (mecanismo de supervisão e controlo destinado a prevenir e corrigir desequilíbrios macroeconómicos na UE) como um desequilíbrio que requer monitorização e obriga a correção das políticas, mas mostra-se céptico quanto à capacidade da União Europeia para produzir recomendações capazes de induzir um reequilíbrio simétrico entre os países deficitários e superavitários da zona Euro.
Cerca de um ano mais tarde, a publicação das previsões económicas de primavera[9] da Comissão Europeia tornou claro que a descrença do Departamento do Tesouro dos EUA se justificava plenamente: a propósito da previsão de que no final de 2015 os superávites da balança corrente alemã atinjam o valor historicamente recorde de 7,9%, Pierre Moscovici, Comissário Europeu dos Assuntos Económicos, afirma que “ninguém pode negar que um há desempenho económico muito forte na Alemanha, o que não pode ser punido”[10]. Recorde-se que o Procedimento relativo aos Desequilíbrios Macroeconómicos estatui que a Comissão Europeia deve abrir um procedimento por incumprimento sempre que um país tenha ultrapassado os limites definidos em três anos consecutivos; o superávite da balança corrente alemã está acima do limite (limite arbitrário e assimetricamente definido) desde 2013. Que aquela afirmação possa ter sido proferida por um Comissário Europeu não pode deixar de possuir um significado forte na economia política do poder na Europa.
Quando recentemente a imprensa noticiou que Barack Obama[11] afirmou a sua preocupação com um dólar forte, declarações prontamente negadas pela Casa Branca, Angela Merkel, cujo governo se recusa a expandir a procura interna e impõe a toda a periferia o ajustamento assimétrico que gera a baixa de preços veio, candidamente, dizer que “no mínimo eu gostaria de pedir a vossa compreensão para o facto dos bancos centrais, tal como o Banco Central Europeu, terem de pensar acerca do que fazer se a taxa de inflação é tão baixa e de assegurar que nós não caímos num ciclo deflacionário[12]”.
Assim sendo, o paralelismo com os acontecimentos dos anos subsequentes à Grande Depressão de 1929 torna-se inevitável: num contexto de um regime monetário internacional assente no padrão ouro (regime semelhante ao Euro no que diz respeito à não existência de prestamista de último recurso e às taxas de câmbio fixas), as dificuldades da Alemanha foram enormemente agravadas pela recusa dos EUA e da França, países com superávites nas suas balanças de pagamentos e determinados em manter as suas reservas de ouro, em prosseguir políticas expansionistas. Nas palavras de Barry Eichengreen e Peter Temin[13]:
“Com estes países [EUA e França] com balanças de pagamento superavitárias, alguém tinha de estar em deficit. Com a sua recusa em expandir, quando a Depressão eclodiu, alguém teria de contrair. Com a sua recusa em prestar auxílio financeiro de emergência, a amplitude da contração a que os países deficitários foram submetidos tornou-se quase inimaginável. No fim as consequências políticas foram desastrosas. Agora, quando os países superavitários são a Alemanha e a China, estamos a assistir ao desenrolar de um processo similar. A Grécia compra e vende aos seus parceiros Europeus e, sobretudo, à Alemanha, país fortemente superavitário. Com a relutância da Alemanha em aumentar a sua despesa, a Grécia, desprovida de liquidez, é obrigada a deflacionar […]. O atual problema da Grécia, tal como o problema da Alemanha nos anos da década de 1930, é que cortar custos apenas torna o fardo da dívida mais pesado”.
Concluindo, diria que se a Alemanha quer manter um lugar de parceiro responsável na comunidade das nações e, parafraseando Joseph Stiglitz[14], não quer ser responsabilizada por destruir a Europa uma terceira vez em 101 anos, deve rever rapidamente a sua política, tomar medidas para incrementar a sua procura interna e eliminar os seus esmagadores superávites partilhando com os países deficitários o fardo do ajustamento.
*Paulo Coimbra, economista, Membro da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC)
**Nota: Artigo escrito a 1 de Julho de 2015.
[1] Holehouse, M. (2015) Don’t vote for suicide, ‘betrayed’ Jean-Claude Juncker begs Greeks, The Telegraph. http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/greece/11706427/Dont-vote-for-suicide-betrayed-Jean-Claude-Juncker-begs-Greeks.html [1 Julho de 2015].
[2] Spiegel, P. e Wagstyl, S. (2015) No vote means isolation, Europe warns Greeks, Financial Times. http://www.ft.com/intl/cms/s/0/a6bed852-1e42-11e5-ab0f-6bb9974f25d0.html#axzz3eSo25VJv [1 Julho de 2015].
[3] Financial Times (2014) Rethinking IMF lending policies. http://www.ft.com/intl/cms/s/0/9ebb7114-f86a-11e3-a333-00144feabdc0.html#axzz3eSo25VJv [1 Julho de 2015].
[4] TSF (2015) França acusa “países mais pequenos” de serem fatores de bloqueio com a Grécia. http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=4654988 [1 Julho de 2015]
[5] Kaldor, N. (1971), “The Dynamic Effects of The Common Market”, New Statesman, 12 March 1971, in Kaldor, N (1978), Further Essays on Applied Economics, Collected Economic Essays, Vol 6, Londres, Duckworth, pp 187-220.
[6] IMF (2014) “Germany. 2014 Article IV Consultation – Staff Report”, in IMF (ed.), IMF Country Report No. 14/216. https://www.imf.org/external/pubs/ft/scr/2014/cr14216.pdf [15 Junho de 2015] e IMF (2014) “2014 Pilot External Sector Report”, IMF Multilateral Policy Issues Report. https://www.imf.org/external/np/pp/eng/2014/062614.pdf [15 Junho de 2015].
[7] Flassbeck, H. e Spiecker F. (2015) The Euro Crisis and Germany’s Collective Denial of the Truth. http://www.flassbeck-economics.de/the-euro-crisis-and-germanys-collective-denial-of-the-truth/ [15 Junho de 2015].
[8] Department of the Treasury Office of International Affairs (2015) Report to Congress on International Economic and Exchange Rate Policies. http://www.treasury.gov/resource-center/international/exchange-rate-policies/Documents/2014-4-15_FX%20REPORT%20FINAL.pdf [15 Junho de 2015].
[9] European Commission (2015), European Economic Forecast. http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/european_economy/2015/pdf/ee2_en.pdf [15 Junho de 2015].
[10] Khan, M. (2015) Brussels warns UK over budget failings as Germans handed a reprieve, The Telegraph. http://www.telegraph.co.uk/finance/economics/11603125/Brussels-warns-UK-over-budget-failings-as-Germans-handed-a-reprieve.html [15 Junho de 2015].
[11] Jornal de Negócios (2015) Obama considera que um dólar forte pode ser “um problema”. https://www.evernote.com/shard/s83/sh/afe6f5fe-cd7a-4959-8cf6-03924124ddff/bf337e1c7bb4dc3a
[12] Financial Times (2015) Merkel reignites ‘currency war’ worries. https://www.evernote.com/shard/s83/sh/e1c32e57-b7e9-4559-a70b-23bc53ece82a/9d28ceb52f592bd0 [15 Junho de 2015].
[13] Eichengreen, B e Temin, P. (2010), “Fetters of Gold and Paper”, NBER Working Paper No. 16202, pág. 24.
[14] Stiglitz, J. (2015) Preventing Grexit will take Angela Merkel to say “we don’t want to be blamed for destroying Europe for the 3rd time in 101 years.” https://www.evernote.com/l/AFPlo1DR5SZGX45oQADUfSp2YxxjFaQdkQ4 [15 Junho de 2015].
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Na Grécia, o descarado golpe de estado continua o seu sinistro curso e o BCE é peça fundamental na articulação do cerco.
Sejamos claros: o BCE não está a recusar-se a conceder mais crédito à banca privada grega; está tão só a recusar-se a fornecer as notas e as moedas necessárias à conversão dos depósitos em valores iguais mas mais líquidos. Fazendo-o viola a sua primeira obrigação estatutária, ou seja, assegurar a estabilidade e a liquidez do sistema financeiro.
O Euro não é apenas uma moeda disfuncional. É também, é sobretudo, uma ferramenta de imposição da ideia autoritária da inexistência de alternativa.
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Pelo menos num aspecto tiro o chapéu aos talibãs neoliberais: conseguiram construir uma narrativa imune a qualquer evidência histórica.
A austeridade afinal não é expansionista? Não interessa, é para aplicar. A dívida é insustentável? Não interessa, é para pagar. Os gregos são dos povos da europa que mais horas trabalham? Não interessa, são malandros. O endividamento privado é muitíssimo maior do que endividamento público? Não interessa, o endividamento público é que mau. Toda a periferia está em crise? Não interessa, o problema de Portugal resulta do despesismo do Socas. A crise da periferia acentuou-se com a explosão da bolha de crédito de 2007/8 em resultado da especulação financeira do sub-prime com origem nos EUA? Não interessa, em Portugal o Socas tem a culpa, caso contrário por que estaria preso? O Euro não funciona? Não interessa, as suas regras são para cumprir. Os superavites de uns são por definição os deficits de outros? Não interessa, a culpa é dos devedores. Não há devedor irresponsável sem credor imprudente? Não interessa, a culpa é do devedor. A competitividade custo é um conceito relativo? Não interessa, é de todo aceitável que a Alemanha tenha mantido salários praticamente congelados durante 14 anos. E por aí fora. Sempre com a mesma convicção. Sempre com a teoria certa e resguardada da evidência empírica. Digam-me lá se não é de lhes tirar o chapéu.
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A União Europeia confronta-se com uma crise de legitimidade que se tem acentuado com o avolumar de contradições que podem ser melhor compreendidas, por exemplo, no contexto do debate que opôs Karl Polanyi a Friedrich Hayek e que colocou a economia reconfigurada em função de uma ordem social democrática e igualitária contra um neoliberalismo onde as estruturas não mercantis são valorizadas apenas na medida em que forem instrumentais ao alargamento da esfera de ação dos mercados.
No discurso de Thorstein Veblen dir-se-ia que os valores do cerimonial económico do modelo de governação em crise de legitimidade são os de uma religião onde o mercado é central e ao qual todos os restantes factores da economia, incluindo o trabalho, se subordinam; os de um regime de globalização que permite às grandes empresas transnacionais interferir na capacidade democrática de organização colectiva; os de uma cultura de consumismo ostensivo associada a uma emulação pecuniária que impede a prossecução de objectivos racionais e equitativos de provisão geral; os de um sistema financeiro com lógica de casino; os de um sistema industrial marcado pelo desperdício e pela sabotagem.
Quando a partir do final de 2007, em sequência de um longo período de especulação financeira praticamente irrestrita, a mão invisível começou a faltar ao encontro com o equilíbrio prometido e os EUA, primeiro, e a Europa, logo a seguir, mergulharam numa crise que só encontra paralelo na Grande Depressão de 1929, os mercados desregulados não só não rejeitaram a intervenção do Estado como dela inteiramente dependeram, tendo o colapso certo sido (provisoriamente?) evitado com quantias absolutamente gigantescas de dinheiro público; longe de produzirem a prometida prosperidade universal, os cortes na despesa pública que se seguiram mais não fizeram que aprofundar a crise.
Na zona Euro, o endividamento público caiu de 72% para 67% entre 1999 e 2007 (início da crise financeira) enquanto o endividamento das instituições financeiras, no mesmo período, aumentou de menos de 200% para mais de 250% do PIB; ao contrário do que afirma a narrativa ainda dominante, a explosão na dívida pública que se verificou a partir de 2007 resultou da necessidade de socorrer o sector privado, e em particular o subsector financeiro, e não o contrário.
Na Europa e em Portugal, a crise resulta essencialmente da arquitectura disfuncional de uma moeda única que, desenhada na crença da tendência sistémica para o equilíbrio das economias onde o estado está ausente, pressupõe que o trabalho, assumido como variável única de ajustamento, é uma mercadoria como outras.
Ao contrário do que afirma a utopia neoliberal, o trabalho não é mercadoria e nenhum modelo de governação que o pressuponha pode subsistir; nas palavras de Karl Polanyi, “[t]rabalho é apenas outro nome para a atividade humana que é a vida em si mesmo” e “[p]ermitir que o mecanismo de mercado seja o único administrador da sorte dos seres humanos e do seu ambiente natural, ainda que apenas no que diz respeito à quantidade e uso de poder de compra, resultaria na demolição da sociedade”.
A 15 de Setembro último, a sociedade defendeu-se do extremismo mercantil e uma massiva manifestação de descontentamento popular, exigindo alternativas, rompeu o fabricado consenso austeritário. Agendado para 5 de Outubro próximo, o Congresso Democrático das Alternativas propõe-se reunir ‘todos os que sentem a necessidade e têm a vontade de debater e construir em conjunto uma alternativa à política de desastre nacional consagrada no memorando da troika’. Lá estarei; peço-te que ponderes, também, a tua presença.
*Texto também publicado no sítio do Congresso Democrático das Alternativas.
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Desincrustada da sociedade, a tal economia de mercado, que tende para o equilíbrio desde que o Estado não estorve, criou na América do Norte e na Europa esta interessante circunstância: “(…) excess debt has created a situation in which everyone is trying to spend less than their income. Since this is collectively impossible — my spending is your income, and your spending is my income — the result is a persistently depressed economy (…)”.
E agora?
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Legendado em Português
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“Nada ilustra melhor as encruzilhadas políticas, os interesses particulares e a miopia da Economia neste momento dominante na Europa do que o debate acerca da restruturação da dívida soberana Grega. A Alemanha insiste numa reestruturação profunda – pelo menos 50% de perdas para credores obrigacionistas – enquanto o Banco Central Europeu insiste que qualquer restruturação da dívida deve ser voluntária. […]
O comportamento do BCE não deve surpreender: como temos visto noutros lados, as instituições que não são democraticamente escrutináveis tendem a ser capturadas por interesses particulares. Isto foi verdade antes de 2008; infelizmente para a Europa – e para a economia global – o problema não foi adequadamente tratado desde então.”
Tradução de excerto do texto Capturing the ECB de Joseph E. Stiglitz.
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O comportamento dos Estados da UE relativamente à Grécia é inexplicável nos termos em que a UE se define a si própria. É, primeiro e antes de qualquer outra coisa, um falhanço da solidariedade.
O “pacote de austeridade”, como os jornais gostam de lhe chamar, pretende impor à Grécia termos que o povo não pode aceitar.
Mesmo agora, as escolas estão a ficar sem livros. Em 2010 houve cortes de 40% no orçamento de Estado para a Saúde – não consigo encontrar o valor actual. Os “parceiros” Europeus da Grécia estão a exigir cortes de 32% no salário mínimo para trabalhadores com menos de 25 anos e de 22% no de trabalhadores com mais de 25 anos.
O desemprego na faixa dos que têm entre 15 e 24 anos é actualmente de 48% – já deve ter aumentado, entretanto. O nível global do desemprego aumentou para mais de 20%. O despedimento dos trabalhadores do sector público vai agravar este número. A recessão que se espera seguir a imposição do pacote de austeridade causará níveis insuportáveis de desemprego a todos os níveis.
O “pacote” exige ainda o corte de pensões e remunerações do sector público, a privatização por atacado de bens públicos – uma verdadeira liquidação total, dado que os mercados estão a bater no fundo – e cortes de serviços públicos como saúde, segurança social e educação. Tudo isto a ser supervisionado por não Gregos. Um sistema perfeito de imposição de disciplina e punição.
Quando, casualmente, usamos um termo como “resgate”, é importante lembrar que não é o povo quem está a ser resgatado, ou, pelo menos, não é o povo Grego. O resgate não salvará uma única vida grega – pelo contrário. O que está a ser “resgatado” é o sistema financeiro, incluindo bancos, fundos de investimento e fundos de pensões dos outros Estados membros, e é o povo Grego que será obrigado a pagar – em dinheiro, em tempo, em dor física, em desespero e em oportunidades perdidas. O termo relativamente neutro, até estóico, “austeridade” é um insulto grosseiro ao povo Grego. Isto não é austeridade; na melhor das hipóteses é crueldade.
Para além desta crueldade, é bom lembrar que a estratégia em si não tem nenhum sentido. Todo e qualquer observador medianamente inteligente já concordou que os cortes não produzem crescimento. Actualmente, o nível mais elevado de crescimento da Europa é o da Polónia, onde a economia está a ser conduzida por um investimento público massivo. Nas nações da “austeridade”, incluindo o Reino Unido, O PIB está ou estagnado ou a diminuir.
No fundo, esta crise representa a incapacidade dos Estados Europeus mostrarem solidariedade face aos ataques dos mercados financeiros. À primeira vista, este parece ser um combate simples: de um lado, estão os estados-nação, que têm como razão de existir o bem-estar dos seus cidadãos; do outro, temos o Capitalismo global, representado pelos mercados financeiros, que tem como razão existir a riqueza de uma pequena minoria. Mas por um período considerável, os estados-nação identificaram-se com estes mesmos mercados. Os Estados aceitaram ver-se a si mesmos não como sociedades mas como economias. Há bem pouco tempo todos fomos levados a acreditar que o mercado, por si só, seria capaz de satisfazer as necessidades dos cidadãos de uma forma muito mais eficiente do que as instituições nas quais os cidadãos confiam e que, ao longo de gerações, construíram como garantias contra a vingança do próprio mercado.
Este é o verdadeiro triunfo do Capitalismo – o facto de ter convencido o mundo que o capitalismo é o mundo.
Isto destruiu 200 anos de luta entre os pobres e os muito ricos. Os sindicatos não apareceram do nada; eles foram uma resposta à exploração. A sua derrota levou à ubiquidade do trabalho precário, e agora, como lhe chamam, livre. Os trabalhadores não são protegidos nos seus locais de trabalho por capitalistas; são protegidos por leis conquistadas pela luta contra o capitalismo.
Uma sweatshop na China não é só um assalto directo aos direitos dos trabalhadores Chineses mas sim aos direitos de todos os trabalhadores. O Internacionalismo socialista e solidário foi concebido como forma de derrotar esta armadilha.
Os velhos não morrem nas ruas, não porque a caridade os tenha salvado; mas porque 200 anos de luta lhes trouxeram pensões de reforma e saúde pública. A privatização destes serviços é um retorno claro ao século XIX. Nenhum destes direitos teria sido ganho se em 1821 as pessoas se tivessem identificado com o capitalismo, com os milionários da altura. Agora que fomos arrastados para essa identificação, corremos o risco de os perder inexoravelmente.
Vemos agora o capitalismo no seu apogeu. Polícias Gregos espancam cidadãos Gregos para impor a vontade de bancos e fundos de investimento. Os estados membros, incluindo a Irlanda, são os intermediários, os capachos do capital. Em vez de estender a mão, dizemos “antes eles que nós”. Como se os mercados decidissem poupar a Irlanda quando acabarem com a Grécia. Solidariedade não tem só a ver com compaixão pelo nosso semelhante; pode também ser interesse próprio. Um por todos e todos por um. Vencemos ou caímos juntos. Há força na unidade.
Em vez disto, decidimos sacrificar o povo Grego ao mercado na esperança de que o sacrifício apazigúe os deuses da especulação. Condenamo-lo à miséria e pobreza para manter a Standard & Poor’s fora do nosso encalço. Mas os nossos cálculos estão errados. Antes de mais, a esquerda comunista mantém-se nos 42% nas sondagens, o Pasok nos 8%. O Pasok (o partido principal do Governo) desaparecerá e uma combinação de partidos realmente de esquerda ganhará as próximas eleições. Estes não vão dobrar os joelhos e pôr a cabeça no cepo.
Penso que a Grécia sairá do Euro e entrará em incumprimento. Ninguém sabe o que se seguirá, mas dificilmente será pior do que lhe é exigido agora, e, pelo menos, será resultado de uma decisão sua. Os especuladores passarão algum tempo a ponderar em qual das outras economias irão concentrar as suas apostas. Talvez nessa altura o Governo Irlandês se arrependa da sua falta de solidariedade.
Seja qual for o desfecho, o nosso comportamento, bem como o dos nossos parceiros Europeus, tem sido vergonhoso.
Artigo de William Wall, publicado no The Guardian a 14 Fevereiro 2012.
Tradução de Sandra Paiva
Artigo original aqui.
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